Relato
Ninguém me falou que seria fácil ser professora, agora estou tendo a prova real, não é fácil mesmo. Mas por isso temos que usar do nosso livre arbítrio para escolher entre tantos cursos de graduação (em licenciatura, claro) um que nos faça menos tristes, melhor, felizes. E percebi isso realizando meu sonho em dar aula de literatura. Minha formação é em Letras, licenciada a dar aulas de Língua Portuguesa e Inglesa e com a Pós-graduação em Literatura Brasileira, me tornando professora do assunto que mais admiro. Este ano resolvi sair da minha terra natal (Curitiba-PR) e morar em Penha-SC. Sempre adorei praia e há sete anos eu e minha irmã, compramos uma casa nessa cidade, por uma questão familiar, a casa possui um grande valor sentimental, isso me ajudou a fazer essa mudança. Muitas pessoas não entendem porque vim para cá, sendo que é uma cidade pequena, com recursos, mas pequena, tem apenas duas agências bancárias, a prefeitura fica perto da igreja que fica perto do cemitério que fica perto de tudo que é importante na cidade, como em todas as cidades pequenas que se prezam. Mas em Penha existe o grande diferencial, lá morou um “tal” de Beto Carrero, que criou o maior parque temático da América do Sul. Sem contar as mais de dezenove praias que a região possui. Depois dessa descrição, ela não se torna tão pequena assim. Enfim, vim para essa cidade para tentar encontrar meu espaço no magistério, pois Curitiba esta tão saturada com profissionais da área que consegui emprego apenas na região metropolitana de lá. Em Penha trabalho em uma escola grande, do Estado, que fica no centro (perto da igreja, prefeitura e cemitério). Dou aula para os primeiros anos do ensino médio e séries finais do fundamental. Mas o que me encanta é o conteúdo do ensino médio, afinal posso trabalhar literatura, faz parte do currículo. Embora os alunos não gostem tanto quanto eu (me espantaria se gostassem) me esforço para transmitir esse amor a eles. No primeiro trabalho de bimestre com eles, já queria que eles conhecessem todos os autores de literatura brasileira, doce ilusão, mas quase consegui. Primeiro passo foi ir até a biblioteca da escola, avaliar a que eles têm acesso, ou melhor, a quem, quais autores, obras, etc. Chegando a biblioteca, me deparo com a pessoa responsável pelo espaço, um professor de matemática que foi afastado de sala por problemas particulares. Perceberam minha desilusão? Uma pessoa na área de exatas, que jamais irá valorizar livros como eu, enfim, me deparei com desorganização, nada digital, alunos emprestando livros e anotando em uma ata, modernidades que a cidade obviamente já alcançou, mas as pessoas não. Sim, é deprimente. Listei os autores brasileiros que estavam naquelas prateleiras expondo seus livros e “pedindo” para que fossem lidos. Como eu “ouço” essas vozes, fui atendê-los. Listei em torno de trinta e seis autores. Bastante não é? Pois é, mas possui no máximo duas obras de cada um, tirando a grandiosíssima obra “O Santo e a Porca” de Ariano Suassuna, que no mínimo possui cem exemplares. Não, não sei por que tantos livros da mesma obra, mas dando continuidade ao trabalho, pedi para que os alunos formassem grupos e através de sorteio escolheram seus respectivos autores para apresentarem um trabalho sobre biografia, bibliografia e comentário sobre a obra escolhida. Foi difícil, pois nem o trabalho de procurar o livro em três prateleiras eles tiveram, tive que ajudar quase todos, com a ajuda da professora orientadora de leitura deles (nunca tive uma professora nessa área específica, e adoro ler, imagina se tivesse?). Um dos grupos teve a sorte (ou azar, depende do ponto de vista) de sortear Dalton Trevisan, fiquei feliz, afinal ele é meu conterrâneo. Antes que você pense que pedi esse trabalho para facilitar minha vida, não facilitei em nada, eles apenas me orientaram a dar continuidade à aula, após cada apresentação, eu ainda complementava com algum comentário ou curiosidade do autor, para que todos aprendessem juntos. Voltando ao Dalton, me deparei com a possibilidade de falar de algumas curiosidades do autor, afinal foi tão “próximo” de mim por tantos anos. Falei do seu apelido, “o Vampiro de Curitiba” por conta de sua obra mais conhecida e por conta do seu comportamento, um autor discreto, como todo bom curitibano, e sem muitas matérias sobre ele, a não serem, críticas sobre as obras. Nunca gostou de se expor, poucas pessoas o conhecem, e sorte do fotógrafo que já tirou alguma foto dele. Por conta de toda essa discrição e curiosidades que falei sobre ele para os alunos do grupo, eles tiveram uma ideia, de mandar uma carta para ele, afinal além de Curitibano (pois ficaria mais fácil conseguir o endereço), ele era um dos poucos autores vivos. Claro que não nego ajuda aos meus alunos com relação a boas ideias, mais já alertei eles da possibilidade de Dalton não responder, mas mesmo assim eles quiseram dar continuidade. Resolvi postar em meu “facebook” um pedido de ajuda aos meus amigos com relação ao endereço dele. Alguns me ajudaram, foram atrás, conseguiram, e me responderam com o endereço. Rua Ubaldino do Amaral, uma das ruas mais centrais de Curitiba. Como era véspera de feriado e se eles postassem a carta demoraria muito, me ofereci para deixar a carta na casa dele, pois ia passar o feriado na casa de meus pais, e obviamente para conhecer de perto a casa do “vampiro”. Pedi para eles escreverem a carta, comprarem um selo, colocarem o endereço de um dos integrantes e enveloparem. Assim eu só colocaria em sua caixa de cartas. Dito e feito. Com a carta em mãos, fui até a casa dele, foi no domingo de Páscoa, desse ano, estacionei meu carro na rua ao lado e caminhei ao redor casa. Uma casa bem antiga, nada conservada, até pensei que não tinha ninguém morando ali, até que me aproximei do portão e vi vasos na varanda, um tapete em frente à porta. Então percebi que realmente alguém vivia naquela casa. A caixa de cartas dele fica para dentro do portão, assim que a vi, coloquei a carta e fui embora. Após uma semana a aluna que endereçou a carta, recebeu uma encomenda. Assim que sua mãe falou, ela ficou assustada, pois não estava esperando nada, eis que ela vê o pacote e se deparada com o remetente: Dalton Trevisan. Emocionada ela não abriu e esperou o dia seguinte para abrir com os integrantes do grupo e mostrar para mim. Dalton encaminhou três obras e um folder com toda a sua biografia, claro que muito discreto, seria exigir muito que ele encaminhasse alguma carta ou até mesmo obras autografadas, afinal não sabemos ao certo se foi ele mesmo ou um agente que encaminhou para eles, fica no imaginário. O que realmente valeu a pena, foi à experiência de saber que um autor que eles apresentaram um trabalho e tiveram essa ideia e dedicação para que se concretizasse o recebimento de obras, lhes deu um pouco de atenção e que são pessoas reais, que estudamos não só por amor a literatura, mas pela importância que cada um teve e tem em nosso país. Voltando a falar de Dalton, parabenizo-o pelo recebimento do maior prêmio de literatura brasileira desse ano, o Prêmio Camões.
Penha – SC / 2012.
Texto escrito pela nossa querida Professora Maria
Comentários
Postar um comentário